terça-feira, 11 de setembro de 2007

Folhas de Literatura

Ficou bem ruim colocar as folhas de Literatura na comunidade, entonces, preferi colocar aqui, espero q tenha judado em alguma coisa.
E realmente tive q postar pq só escaneando e lançando no Adobe a imagem ficava bem ruim pq a xerox tava ruim.
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O TEMPO, OS CAPÍTULOS, A CONVERSAÇÃO...
Machado tem duas técnicas formais que seriam comuns na modernidade: a dos capítu­los curtos, ligeiros; e a ordem não-cronológica na disposição dos fatos. Além disso, arrisca algumas construções de capítulos absolutamente originais, como os capítulos 139 e 140 de Memórias Póstumas de Brás Cubas.
139 — De Como Não Fui Ministro de Estado
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140 — Que Explica o Anterior

Há coisas que melhor se dizem calando; tal é a matéria do capítulo anterior, [...]
ASSIS. Machado de. Mfmórifiy Piísüiincis ik- Bros Citbfis. São Paulo, Moderna, 1994.
Outro recurso tipicamente machadiano é a técnica da conversação com o leitor. Muitas vezes, ao lermos seus livros, sentimo-nos acompanhados pelo narrador, que nos convida a entrar nas cenas, a testemunhá-las como um espectador invisível com quem ele conversa, argumenta, e a quem, muitas vezes, ironiza.

OS ROMANCES DA SEGUNDA FASE

MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS
Publicado em 1881, Memórias Póstumas de Brás Cubas é considerado O marco do Realismo no Brasil. É uma obra original sob todos os aspectos: o título pressupõe que Brás Cubas esteja morto, e é justamente a partir de sua condição de defunto que ele retoma e narra a própria vida. Temos, portanto, um "defunto-autor", em primeira pessoa. A dedicatória do romance é jocosa:
Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas.

Note que ele está morto, que mais tem a perder um morto, já que não parece estar nem no inferno, nem no paraíso convencionais? Em dado momento confessa estar escrevendo para se "distrair da eternidade", denunciando o tédio que ela lhe desperta.
Na advertência ao leitor, o narrador deixa claro que a aceitação ou não da obra, não lheé importante, assim como tudo o mais.
[...] A obra em si mesma é tudo: se; te agradar, fino leitor, pago-me da tarefa; se te não agradar. pago-te com um piparote, e adeus.
A imunidade de morto que tem Brás Cubas deixa-o livre e desembaraçado para confessar com uma ironia torpe, eivada de mórbida indiferença, suas mais baixas torpezas, assim como para denunciar as alheias.
Brás Cubas, filho de família abastada, ns adolescência, apaixonou-se por Marcela, uma cortesã, que o explorava financeiramente. Quando seu pai ficou sabendo do caso, mandou-o para Coimbra, para estudar Direito. Formado, Brás Cubas retorna ao Rio de Janeiro, onde, por sugestão do pai, fica noivo de Virgília, filha de um homem influente, que o troca por Lobo Neves, um político ambicioso, em troca de um título de nobreza.
Mais tarde, ambos reencontram-se e tornam-se amantes. O caso se arrasta durante anos, mas Brás Cubas não assume Virgília, nem mesmo quando ela fica viúva. Aos 64, anos resolve lançar no mercado o emplastro "Brás Cubas", que curaria todos os males. Numa tarde, ele sai para tomar as providências necessárias ao lançamento do produto. Apanha uma chuva, contrai pneumonia e morre. Essas são as linhas gerais do enredo; entre elas existe uma critica contundente à ética social vigente, às instituições, e, sobretudo, à natureza humana.

O Delírio

Que me conste, ainda ninguém relatou o seu próprio delírio; faço-o eu, e a ciência me agradecera. Se o leitor não é dado à contemplação desses fenômenos mentais, pode saltar o capitulo; vá direto a narração. Mas, por menos curioso que seja, sempre lhe digo que é interessante saber o que se passou na minha cabeça durante uns vinte a trinta minutos.
Primeiramente tomei a figura de um barbeiro chinês, bojudo, destro, escanhoando um mandarim, que me pagava o trabalho com beliscões e confeitos: caprichos de mandarim.
Logo depois, senti-me transformado na.Summa Theologica de São Tomás, impressa num volume; encadernada em marroquim, com fechos de prata e estampas; idéia essa que me deu ao corpo a mais completa imobilidade; e ainda agora me lembra que, sendo as minhas mãos os fechos do livro e cruzando-as eu sobre o ventre, alguém as descruzava (Yirgília decerto), porque a atitude lhe dava a imagem de um defunto.
Ultimamente, restituído à forma humana, vi chagar um hipopótamo, que me arrebatou. Deixei-me ir, calado, não sei se por medo ou confiança; mas, dentro em pouco, a carreira de tal modo se torno vertiginosa, que me atrevi a interrogá-lo, e com alguma arte lhe disse que a viagem me parecia sem destino.
— Engana-se — replicou o animal —, nos vamos à origem dos séculos.
Insinuei que deveria ser muitíssimo longe; mas o hipopótamo não me entendeu ou não me ouvi, se é que não fingiu uma dessas coisas: e, perguntando-lhe, visto que ele falava, se era descendente do cavalo de Aquiles2 ou da asna de Balaão3, retorquiu-me com um gesto peculiar a esses dois quadrúpedes, abanou as orelhas. Pela minha parte fechei os olhos e deixei-me ir à ventura. Já agora não se me dá de confessar que sentia umas tais ou quais cócegas de curiosidade, por saber onde ficava a origem dos séculos, se era tão misteriosa como a origem do Nilo, e sobretudo se valia alguma coisa mais ou menos do que a consumação dos mesmos séculos: reflexões de cérebro enfermo. Como ia de olhos fechados. não via o caminho; lembra-me só que a sensação de frio aumentava com a jornada, e que chegou uma ocasião em que me pareceu entrar na região dos gelos eternos. Com efeito, abri os olhos e vi que o meu animal galopava numa planície branca de neve, com uma ou outra montanha de neve, vegetação de neve, e vários animais grandes e de neve. Tudo neve; chegava a gelarmos um sol de neve. Tentei falar, mas apenas pude grunhir esta pergunta ansiosa:
— Onde Estamos?
— Já passamos o Éden.
— Bem; paremos na tenda de Abraão4.
— Mas se nós caminhamos para trás! — redargüiu motejando a minha cavalgadura.
Fiquei vexado e aturdido. A jornada entrou a parecer-me enfadonha e extravagante, o frio incômodo, a condução violenta e o resultado impalpável. E depois — cogitações de enfermo —, dado que chegássemos ao fim indicado, não era impossível que os séculos, irritados com lhes devassarem a origem, me esmagassem entre as unhas, que deviam ser tão seculares como eles. Enquanto assim pensava, íamos devorando caminho, e a planície voava debaixo dos nossos pés, até que o animal estacou e pude olhar mais tranqüilamente em torno de mim. Olhar somente; nada vi além da imensa brancura da neve, que dessa vez invadira o próprio céu, até ali azul. Talvez, a espaços, me aparecia uma ou outra planta enorme, brutesca, meneando ao vento as suas largas folhas. O silêncio daquela região era igual ao do sepulcro; dissera-se que a vida das coisas ficara estúpida diante do homem.
Caiu do ar? Destacou-se da terra? Não sei; sei que um vulto imenso, uma figura de mulher me apareceu então, fitando-me uns olhos rutilantes como o sol. Tudo nessa figura tinha a vastidão das formas selváticas, e tudo escapava à compreensão do olhar humano, porque os contornos perdiam-se no ambiente, e o que parecia espesso era muita vez diáfano. Estupefato, não disse nada, não cheguei sequer a soltar um grito; mas, ao cabo de algum tempo, que foi breve, perguntei quem era e como se chamava: curiosidade de delírio.
— Chama-me Natureza ou Pandora5; sou tua mãe e tua inimiga.
Ao ouvir esta última palavra, recuei um pouco, tomado de susto. A figura soltou uma gargalhada, que produziu em torno de nos o efeito de um tufão; as plantas torceram-se e um longo gemido quebrou a mudez das coisas externas.
— Não te assustes — disse ela —. minha inimizade não mata: é sobretudo pela vida que se afirma. Vives: não quero outro flagelo.
— Vivo? — perguntei eu, enterrando as unhas nas mãos, como para certificar-me da existência.
— Sim, verme, tu vives. Não receies perder esse andrajo que é teu orgulho-, provarás ainda, por algumas toras, o pão da dor e o vinho da miséria. Vives; agora mesmo que ensandeceste, vives; e, se a tua consciência reouver um instante de sagacidade, tu dirás que queres viver.
Dizendo isso, a visão estendeu o braço, segurou-me pelos cabelos e levantou-me ao ar, como se fora uma pluma. Só então pude ver-lhe de perto o rosto, que era enorme. Nada mais quieto; nenhuma contorção violenta, nenhuma expressão de ódio ou ferocidade; a feição única, geral, completa, era a da impassibilidade egoísta, a da eterna surdez, a da vontade imóvel. Raivas, se as tinha, ficavam encerradas no coração. Ao mesmo tempo, nesse rosto de expressão glacial, havia um ar de juventude, mescla de força e viço, diante do qual me sentia eu o mais débil e decrépito dos seres,
— Entendeste-rne? — disse ela, no fim de algum tempo de mútua contemplação.
— Não — respondi —, nem quero entender-te; tu és absurda, tu és uma fábula. Estou sonhando, decerto, ou, se é verdade que enlouqueci, tu não passas do uma concepção de alienado, isto é, uma coisa vã, que a razão ausente não pode reger, nem palpar. Natureza, tu? a Natureza que eu conheço é só mãe e não inimiga; não faz da vida um flagelo, nem, como tu, traz esse rosto indiferente, como o sepulcro. E por que Pandora?
— Porque levo na minha bolsa os bens e os males, e o maior de todos, a esperança, consolação dos homens. Tremes?
— Sim; o teu olhar fascina-me.
— Creio; eu não sou somente a vida: sou também a morte, e tu estás prestes a devolver-me o que te emprestei. Grande lascivo, espera-te a voluptuosidade do nada.
Quando essa palavra ecoou, como um trovão, naquele imenso vale, afigurou-se-me que era o último som que chegava a meus ouvidos; pareceu-me sentir a decomposição súbita de mim mesmo. Então, encarei-a com olhos súplices e pedi mais alguns anos.
— Pobre minuto! — exclamou. — Para que queres tu mais alguns instantes de vida? Para devorar e seres devorado depois? Não estás farto do espetáculo e da luta? Conheces de sobejo tudo o que eu te deparei menos torpe ou menos aflitivo: o alvor do dia, a melancolia da tarde, a quietação da noite, os aspectos da terra, o sono, enfim, o maior benefício das minhas mãos. Que mais queres tu, sublime idiota?
— Viver somente, não te peço mais nada. Quem me pôs no coração esse amor da vida, se não tu? E. se eu amo a vida, por que ta hás de golpear a ti mesma, matando-me?
Porque já não preciso de ti. Não importa ao tempo o minuto que passa, mas o minuto que vem. O minuto que vem é Forte, jucundo, supõe trazer em si a eternidade, e traz a morte, e parece como outro, mas o tempo subsiste. Egoísmo, dizes tu? Sim. egoísmo, não tenho outra lei, Egoísmo, conservação. A onça mata o novilho porque o raciocínio da onça é que ela deve viver, e se o novilho é tenro tanto melhor: eis o estatuto universal. Sobe e olha.
Isso dizendo, arrebatou-me ao alto de uma montanha. Inclinei os olhos a uma das vertentes e contemplei, durante um tempo largo, ao longe, através de um nevoeiro, uma coisa única. Imagina tu, leitor, uma redução dos séculos, e um desfilar de todos eles, as raças todas, todas as paixões, o tumulto dos impérios, a guerra dos apetites e dos ódios, a destruição recíproca dos seres e das coisas. Tal era o espetáculo, acerbo e curioso espetáculo. A história do homem e da Terra tinha assim uma intensidade que lhe não podiam dar nem a imaginação nem a ciência, porque a ciência é mais lenta e a imaginação mais vaga, enquanto o que eu ali via era a condensação viva de todos os tempos. Para descrevê-la seria preciso fixar o relâmpago. Os séculos desfilavam num turbilhão, e, não obstante, porque os olhos do delírio são outros, eu via tudo o que passava diante de mim — flagelos e delícias —, desde essa coisa que se chama glória até essa outra que se chama miséria, e via o amor multiplicando a miséria, e via a miséria agravando a debilidade. Aí vinham a cobiça que devora, a cólera que inflama, a inveja que baba, e a enxada e a peca, úmidas de suor, e a ambição, a fome, a vaidade, a melancolia, a riqueza, o amor, e todos agitavam o homem, como um chocalho, até destruí-lo, como um farrapo. Eram as formas várias de um mal, que ora mordia a víscera, ora mordia o pensamento, e passeava eternamente as suas vestes de arlequim, em derredor da espécie humana. A dor cedia alguma vez, mas cedia à indiferença, que era um sono sem sonhos, ou ao prazer, que era uma dor bastarda. Então o homem, flagelado e rebelde, corria diante da fatalidade das coisas, atrás de uma figura nebulosa e esquiva, feita de retalhos, um retalho de impalpável, outro de improvável, outro de invisível, cosidos todos a ponto precário, com a agulha da imaginação, e essa figura —- nada menos que a quimera da felicidade — ou lhe fugia perpetuamente, ou se deixava apanhar pela fralda, e o homem a cingia ao peito, e então ela ria, como um escárnio, e sumia-se, como uma ilusão.
Ao contemplar tanta calamidade, não pude reter um grito de angústia, que Natureza ou Pandora escutou sem protestar nem rir; e não sei por que, lei de transtorno cerebral, fui eu que me pus a rir — de um riso descompassado e idiota.
— Tens razão — disse eu —, a coisa é divertida e vale a pena, talvez monótona, mas vale a .pena. Quando Jó6 amaldiçoava o dia em que fora concebido, é porque lhe davam ganas de ver cá de cima o espetáculo. Vamos lá. Pandora, abre o ventre, e digere-me; a coisa é divertida, mas digere-me.
A resposta foi compelir-me fortemente a olhar para baixo, e a ver os séculos que continuavam a passar, velozes e turbulentos, as gerações que se superpunham as gerações, umas tristes, como os Hebreus do cativeiro, outras alegres, como os devassos de Cómodo7, e todas elas pontuais na sepul­tura. Quis fugir, mas uma força misteriosa me retinha os pés; então disse comigo: "Bem, os séculos vão passando, chegará o meu, e passará também, até o último, que me dará a decifração da eternidade”. E fixei os olhos, e continuei a ver as idades, que vinham chegando e passando, já então tranqüilo e resoluto, não sei até se alegre. Talvez alegre. Cada século trazia a sua porção de sombra e de luz, de apatia e de combate, de verdade e de erro, e o seu cortejo de sistemas, de idéias novas, de novas ilusões; em cada um deles rebentavam as verduras de uma primavera, e amareleciam depois, para remoçar mais tarde. Ao passo que a vida tinha assim uma regularidade de calendário, fazia-se a história e a civilização, e o homem, nu e desarmado, armava-se e vestia-se, construía o tugúrio e o palácio, a rude aldeia e Tebas de cem portas, criava a ciência, que perscruta, e a arte que enleva, fazia-se orador, mecânico, filósofo, corria a face do globo, descia ao ventre da Terra, subia à esfera das nuvens, colaborando assim na obra misteriosa, com que entretinha a necessidade da vida e a melancolia do desamparo. Meu olhar, enfarado e distraído, viu enfim chegar o século presente, e, atrás dele, os futuros. Aquele vinha ágil, destro, vibrante, cheio de si, um pouco difuso, audaz, sabedor, mas ao cabo tão miserável como os primeiros, e assim passou e assim passaram os outros, com a mesma rapidez e igual monotonia. Redobrei de atenção; fitei a vista; ia enfim ver o último — o último! Mas então já a rapidez da marcha era tal que escapava a toda a compreensão; ao pé dela o relâmpago seria um século. Talvez por isso entraram os objetos a trocarem-se: uns cresceram, outros minguaram, outros perderam-se no ambiento, um nevoeiro cobriu tudo, menos o hipopótamo que ali me trouxera e que aliás começou a diminuir, a diminuir, a diminuir, até ficar do tamanho de um gato. Era efetivamente um gato. Encarei-o bem; era o meu gato Sultão, que brincava a porta da alcova com uma bola de papel...
ASSIS, Machado. Op. cit.

Agora é com você...

1. Como se pode interpretar a resposta do hipopótamo: — "Já passamos o Éden."?
2. Pandora diz a Brás Cubas: "Vives: não quero outro flagelo". O que ela quis dizer com isso?
3. Segundo o discurse de Pandora, a natureza existe sm função do homem? Dustiiique suaresposta. . ' • •-.•-.
4. Que visão de mundo a leitura desse capítulo revela?

Texto2
O Menino é Pai do Homem
Cresci; e nisso é que a família não interveio; cresci naturalmente, como crescem as magnólias e os gatos. Talvez os gatos são menos matreiros, e, com certeza, as magnólias são menos inquietas do que eu era na minha infância. Um poeta dizia que o menino é pai do homem. Se isso é verdade, vejamos alguns lineamentos do menino.
Desde os cinco anos merecera eu a alcunha de "menino-diabo"; e verdadeiramente, não era outra coisa; fui dos mais malignos do meu tampo, arguto, indiscreto, traquinas e voluntarioso. Por exemplo, um dia quebrei a cabeça de uma escrava, porque me negara uma colher do doce de coco que estava fazendo, e, não contente com o malefício, deitei um punhado de cinza ao tacho, e, não satisfeito da travessura, fui dizer à minha mãe que a escrava é que estragara o doce "por pirraça"; e eu tinha apenas seis anos. Prudêncio, um moleque; de casa, era o meu cavalo de todos os dias; punha as mãos no chão, recebia um cordel nos queixos, à guisa de freio, eu trepava-lhe ao dorso, com uma varinha na mão, fustigava-o, dava mil voltas a um e outro lado, e ele obedecia — algumas vezes gemendo —, mas obedecia sem dizer palavra, ou, quando muito, um "ai, nhonhõ!', ao que eu retorquia: "Cala a boca, besta!" Esconder os chapéus das visitas, deitar rabos de papel a pessoas graves, puxar pelo rabicho das cabeleiras, dar beliscões nos braços das matronas, e outras muitas façanhas desse jaez, eram mostras de um gênio indócil, mas devo crer que eram também expressões de um espírito robusto, porque meu pai tinha-me em grande admiração, e, se às vezes me repreendia, à vista de gente, fazia-o por simples formalidade; em particular dava-me beijos.

Agora é com você...

1. Como se construiu a personalidade do protagonista? Quem teve influência preponderante sobre seu comportamento?
2. Comente a relação de Brás Cubas com a mãe.
3. Com que parente ele mais se identificava?
4. O texto apresenta alguma característica determinista? Justifique sua resposta.

QUINCAS BORBA

Quincas Borba foi publicado pela primeira vez em 1891. Tem foco narrativo em 3a pessoa, um narrador sutil, que nunca abre o jogo sobre o que realmente está acontecendo, mas vai espalhando pistas no caminho.
Na verdade, o título do romance não é uma referência à personagem humana de mesmo nome, mas ao seu cão, que também se chamava Quincas Borba, única criatura dotada de desinteressado afeto por seu dono.
Quincas Borba, o homem, tinha sido muito pobre, e conseguiu fortuna. No final da vida dava mostras de um certo desequilíbrio mental (questionável), e acabou por morrer durante uma viagem ao Rio de Janeiro, longe de Barbacena, sua terra natal. Deixara, ao viajar, o cão sob os cuidados de Rubião, irmão de uma sua noiva que falecera antes do casamento. Ao saber da notícia da morte do amigo, Rubião dá o cachorro Quincas Borba a uma vizinha. Mas é surpreendido pela leitura do testamento em que ele é declarado herdeiro universal de Quincas Borba, desde que zele pela saúde e segurança do cão.
Rubião e o cachorro partem para o Rio de Janeiro. Ele pretende se apossar da herança e passar a morar na Corte. No trem, contudo, conhece o casal Sofia e Cristiano Palha e se encanta peia esposa do desconhecido. Travam amizade, e na Capital, o casal oferece seus préstimos: Sofia o ajuda a encontrar e mobiliar uma casa, Palha se encarrega de arranjar um advogado para resolver suas questões legais. Grave erro o de Rubião ao permitir a intrusão de um estranho.
O dinheiro sobe-lhe à cabeça. Passa a acreditar que ganhou real importância com ele, a ponto de poder pretender Sofia. Uma noite deixa suas intenções claras. Ela, depois de uma festa conta tudo ao marido, que, sutilmente a faz ver as vantagens que podem tirar da situação.
O narrador nunca diz que Sofia faz um jogo de sedução com Rubião. Mas ele concorda em se tornar sócio de Palha, com a mediação de um advogado arranjado por este. Índices de ascensão social do casal começam a aparecer, até que Cristiano rompe á sociedade, esfriando suas relações com Rubião. O herdeiro de Quincas Borba vai perdendo tudo o que tem (em falência previamente armada por Palha). À medida que perde seu dinheiro, vai também perdendo sus sanidade. Tem surtos em que manifesta a certeza de ser Napoleão Bonaparte, ocasiões em que chama Sofia de Josefina.
O golpe de misericórdia vem quando Palha e Sofia arrematam sua casa em leilão. Internam-no num hospício a pretexto de caridade. Ele só concorda em ir em companhia do cão. De lá fogem de volta para Barbacena, onde ele se torna um mendigo louco, que dorme na porta da igreja e vive de esmolas. De quando em quando, exclamava, aparentemente desconexo: "Ao vencedor, as batatas!".
Faminto, adoentado depois de tomar muitas chuvas, Rubião foi por acaso ter com uma sua velha comadre. Leia o final desse romance.

6

Para entenderes bem o que é a morte e a vida, basta contar-te como morreu minha avó.
— Como foi?
— Senta-te.
Rubião obedeceu, dando ao rosto o maior interesse possível enquanto Quincas Borba continuava a andar.
— Foi no Rio de Janeiro — começou ele, — defronto da Capela Imperial, que era então Real, em dia de grande festa; minha avó saiu, atravessou o adro, para ir ter à cadeirinha 10, que a esperava no Largo do Paço. Gente como formiga. O povo queria ver entrar as grandes senhoras nas suas ricas traquitanas. No momento em que minha avó saía do adro para ir à cadeirinha, um pouco distante, aconteceu espantar-se uma das bestas de uma sege; a besta disparou, a outra imitou-a, confusão, tumul­to, minha avó caiu, e tanto as mulas como a sege passaram-lhe por cima. Foi levada em braços para urna botica da Rua Direita, veio um sangrador, mas era tarde; tinha a cabeça rachada, uma perna e o ombro partidos, era toda sangue; expirou minutos depois.
— Foi realmente uma desgraça — disse Rubião.
— Não.
— Não?— Ouve o resto. Aqui está como se tinha passado o caso. O dono da sege estava no adro, e tinha fome, muita fome, porque era tarde, e almoçara cedo e pouco. Dali pôde lazer sinal ao cocheiro; este fustigou as mulas para ir buscar o patrão. A sege no meio do caminho achou um obstáculo e derribou-o; esse obstáculo era minha avó. O primeiro ato dessa série de atos foi um movimento de conservação: Humanitas tinha fome. Se, em vez de minha avó, fosse um rato ou um cão, é certo que minha avó não morreria, mas o fato era o mesmo; Humanitas precisa comer. Se era vez de um rato ou de um cão, fosse um poeta, Byronou Gonçalves Dias, diferia o caso no sentido de dar matéria a muitos necrológios, mas o fundo subsistia. O universo ainda não parou por lhe faltarem alguns poemas mortos em flor na cabeça de um varão ilustre ou obscuro; mas

Humanitas (e isso importa, antes do tudo), Humanitas precisa comer.
Rubião escutava, com a alma nos olhos, sinceramente desejoso de entender; mas não dava pela necessidade a que o amigo atribuía a morte da avó. Seguramente o dono da sege, por muito tarde que chegasse a casa, não morria de fome, ao passo que a boa senhora morreu de verdade, e para sempre. Explicou-lhe, como pôde, essas dúvidas, e acabou perguntando-lhe:
— E que Humanitas é esse?
— Humanitas é o princípio. Mas não, não digo nada, tu não és capaz de entender isso, meu caroRubião; falemos de outra coisa. -
— Diga sempre.
Quincas Borba, que não deixara de andar, parou alguns instantes.
— Queres ser meu discípulo?
— Quero.
— Bem, irás entendendo aos poucos a minha filosofia: no dia em que a houveres penetrado inteiramente, ah! Nesse dia terás o maior prazer da vida, porque não há vinho que embriague como a verdade. Crê-me, o Humanitismo é o remate das coisas; e eu, que o formulei, sou o maior homem do mundo. Olha, vês como o meu bom Quincas Borba está olhando para mim? Não é ele, é Humanitas...
— Mas que Humanitas é esse?
— Humanitas é o princípio. Há nas coisas todas certa substância recôndita e idêntica, um principio único, universal. eterno, comum, indivisível e indestrutível — ou para usar a linguagem do grande Camões:
Uma verdade que nas coisas anda,
Que mora no visíbil e invisíbil.
Pois essa substância ou verdade, esse princípio indestrutível é que é Humanitas. Assim lhe chamo, porque resume o universo, e o universo é o homem. Vais entendendo?
— Pouco; mas, ainda assim, como é que a morte de sua avó...
— Não há morte. O encontro de duas expansões, ou a expansão de duas formas, pode determinar a supressão de uma delas; mas, rigorosamente, não há morte, há vida, porque a supressão de uma é a condição da sobrevivência da outra, e a destruição não atinge o princípio universal e comum. Daí o caráter conservador e benéfico da guerra. Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos, que assim adquire forças para transpor a montanha e ir à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as duas tribos dividem em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se suficientemente e morrem de inanição. A paz, nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos. Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompensas públicas e todos os demais efeitos das ações bélicas. Se a guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam a dar-se, pelo motivo real de que o homem só comemora e ama o que lhe é aprazível ou vantajoso, e pelo motivo racional do que nenhuma pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.
— Mas a opinião do exterminado?
— Não há exterminado. Desaparece o fenômeno; a substância é a mesma. Nunca viste ferver água? Hás de lembrar-te que as bolhas fazem-se e desfaem-se de contínuo, e tudo fica na mesma água. Os indivíduos são essas bolhas transitórias.
— Bem; a opinião da bolha...
— Bolha não tem opinião. Aparentemente, há nada mais contristador que uma dessas terríveis pestes que devastam um ponto do globo? E, todavia, esse suposto mal é um beneficio, não só porque elimina os organismos fracos, incapazes de resistência, como porque dá lugar à observação, à descoberta da droga curativa. A higiene é filha de podridões seculares; devemo-la a milhões de cor­rompidos e infectos. Nada se perde, tudo é ganho. Repito, as bolhas ficam na água. Vês este livro? É Dom Quixote. Se eu destruir o meu exemplar, não elimino a obra, que continua eterna nos exemplares subsistentes e nas edições posteriores. Eterna e bela, belamente eterna, como este mundo divino e supradivino.

Agora é com você,..

1. Como Rubião realmente se sente diante da explanação de Quincas Borba?
2. Por que Quincas Borba deu seu nome ao cão?
3. Segundo Humanitas, o universo existe em função do homem? Em caso afirmativo, explique o porquê; em caso negativo, diga em função de quê ele existe.
4. O que é Humanitas, afinal?
5. A trajetória de Rubião pode ser justificada pela teoria do Humanitismo? Justifique sua resposta.

DOM CASMURRO

Esse romance causa intrincadas, e, por vezes, acirradas polêmicas há cerca de um sécu­lo. Publicado em 1899, é, dentre as obras do autor, a mais feliz, a mais bem engendrada, a mais enigmática, a mais rica. Traía-se de um duplo absolutamente perfeito. O leitor pode se deixar levar pela ótica do narrador, Bentinho, ou pode fazer uma leitura paralela, pondo em questão a confiabilidade do narrador, levando em conta a hipótese de ser ele um paranóico com fantasias persecutórias geradas por uma profunda insegurança de menino excessivamente protegido.
Filho único, órfão de pai aos quatro anos, Bentinho foi criado pe!a mãe, Dona Gló­ria, na antiga rua de Matacavalos. Os bens deixados pelo pai proporcionavam a ambos uma vida bastante confortável. Superprotegido pela mãe, Bento Albuquerque de Santiago teve uma infância reduzida ao ambiente doméstico. Não freqüentava a escola, tinha aulas particulares ministradas em casa pelo padre Cabral, velho amigo da família. Para dar cum­primento a uma promessa feita pela mãe, deveria ingressar num seminário quando tivesse a idade apropriada.
O isolamento familiar, a superproteção e o destino eclesiástico fizeram de Bentinho uma pessoa bastante ingênua, de personalidade sensível e emocional. Possuía, ainda, bastante imaginação, segundo confessa no capítulo XL. Isso tudo fez com que lhe faltasse objetividade no trato com a realidade, além de gerar certa insegurança. A única pessoa com quem ele mantém estreito relacionamento fora do círculo doméstico é a vizinha Capitu, sua amiga de infância, por quem iria se apaixonar aos 15 anos. Capitu é dona de uma personalidade forte e marcante, bem diversa da dele. É interessante salientar que o próprio protagonista afirma no capítulo XXXI que ela era "mais mulher do que eu era homem". A ' inteligência vivaz e a extroversão da menina o atraíam e perturbavam ao mesmo tempo.
Sua presença de espírito, sua capacidade de dissimulação, a astúcia que revelava possuir de certo modo chocavam Bentinho, além de, por contraste, acentuavam sua ingenuidade. Não fosse a atração que Capitu exercia sobre ele, fascínio esse alimentado durante as visitas que o rapaz fazia à família aos sábados, ele teria se tornado padre. De natureza cordata, o narrador-personagem confessa no capítulo LXV estar se afeiçoando à vida no seminário. Claro está que ele encontrou no afeto e consideração que os colegas e os padres lhe dispensavam um segundo aconchego familiar, feito do mesmo isolamento e proteção com que contava em sua casa.
Cabe ressaltar ainda que, durante sua estada ali, conheceu Ezequiel Escobar, que viria a ser seu melhor amigo, e também o pomo da discórdia entre ele e Capitu.
As diferenças de personalidade existentes entre ambos são nítidas. A extroversão, a tranqüila segurança, o desembaraço e a objetividade com que ela lidava com o cotidiano eram sempre surpreendentes para ele. Desde a infância, Capitu se configurava para Bentinho como uma espécie de esfinge, e ele parecia querer desvendar o mistério atrás de cada gesto seu. O casamento foi fermento para a paixão e o ciúme, inevitável e obsessivo. Chegou a ter "ciúmes de tudo e de todos", como declara no capítulo CXIII. O menor gesto o afligia, a mais ínfima palavra, uma insistência qualquer, às vezes, só a indiferença bastava para enchê-lo "de terror ou desconfiança". Passou a ter suspeitas, e a semelhança existente entre o filho e o amigo Escobar (semelhança essa reconhecida pela própria Capitu) não fez senão alimentá-las. A desconfiança de que a esposa o teria traído com seu melhor amigo não se confirma, apesar da parecença do menino com o antigo colega de seminário, mas foi envenenando sua alma.
É interessante frisar que seu temperamento introvertido não lhe permitiu nenhuma reação extrema ou raivosa. Talvez mais que o temperamento, tenha pesado o medo de investir contra as aparências e assumir o suposto desmoronamento da relação e suas conseqüências no âmbito familiar e social. A morte prematura de Escobar, por afogamento, termina por precipitar os acontecimentos. Esta covardia custou-lhe caro, fazendo de sua vida uma farsa. Em nenhum momento confessou a quem quer que fosse a terrível suspeita. Capitu tomou conhecimento dela de maneira quase casual e não por iniciativa dele. Até na separação foram salvaguardadas as aparências: a esposa e o filho mudaram-se para a Europa e ele anualmente viajava simulando visitá-los.
Traído ou não, Bentinho deixou que sua vida fosse arruinada. A desconfiança minou-lhe o espírito e se generalizou, fazendo com que ele se voltasse mais e mais para dentro de si mesmo, isolando-se, tornando-se cético e amargo. O narrador-personagem que retoma sua trajetória de vida não é mais Bentinho, mas, definitivamente, Dom Casmurro.
Essa breve síntese da trajetória de Bentinho não abrange uma parcela mínima da riqueza do romance. Ele deve ser lido e debatido à exaustão.
A Mão de Sancha
Tudo acaba, leitor; é um velho truísmo, a que se pode acrescentar que nem tudo o que dura dura muito tempo. Esta segunda parte não acha crentes fáceis; ao contrário, a idéia de que um castelo de vento dura mais que o mesmo vento de que é feito, dificilmente se despegará da cabeça, e é bom que seja assim, para que se não perca o costume daquelas construções quase eternas.
O nosso castelo era sólido, mas um domingo... Na véspera tínhamos passado a noite no Flamengo, não só os dois casais inseparáveis, como ainda o agregado e prima Justina. Foi então que Escobar, falando-me à janela, disse-me que fossemos lá jantar no dia seguinte; precisávamos falar de um projeto em família, um projeto para os quatro.
— Para os quatro? Uma contradança.
— Não. Não és capaz de adivinhar o que seja, nem eu digo. Vem amanhã.
Sancha não tirava os olhos de nós durante a conversa, ao canto da janela. Quando o marido saiu, veio ter comigo. Perguntou-me de que é que faláramos; disse-lhe que de um projeto que eu não sabia qual fosse; ela pediu-me segredo, e revelou-me o que era: uma viagem à Europa dali a dois anos. Disse isto de costas para dentro, quase suspirando. O mar batia com grande força na praia; havia ressaca.
— Vamos todos? perguntei por fim.
— Vamos.
Sancha ergueu a cabeça e olhou para mim com tanto prazer que eu, graças às relações dela e Capitu, não se me daria beijá-la na testa. Entretanto, os olhos.de Sancha não convidavam a expansões fraternais, pareciam quentes e intimativos, diziam outra coisa, e não tardou que se afastassem da janela, onde eu fiquei olhando para o mar, pensativo. A noite era clara.
Dali mesmo busquei os olhos de Sancha, ao pé do piano; encontrei-os em caminho. Pararam os quatro e ficaram diante uns dos outros, uns esperando que os outros passassem, mas nenhuns passavam. Tal se dá na rua entre dois teimosos. A cautela desligou-nos; eu tornei a voltar-me para fora. E assim posto entrei a cavar na memória se alguma vez olhara para ela com a mesma expressão, e fiquei incerto. Tive uma certeza só, é que um dia pensei nela, como se pensa na bela desconhecida que passa; mas então dar-se-ia que ela adivinhando... Talvez o simples pensamento me transluzisse cá fora, e ela me fugisse outrora irritada ou acanhada, e agora por um movimento invencível... Invencível; esta palavra foi como uma benção de padre à missa, que a gente recebe e repete em si mesma.
— O mar amanhã está de desafiar a gente, disse-me a voz de Escobar, ao pé de mim.
— Você entrano mar amanhã?
— Tenho entrado com mares maiores, muito maiores. Você não imagina o que é um bom mar em hora bravia. É preciso nadar bem, como eu, e ter estes pulmões — disse ele batendo no peito, e estes braços; apalpa.
Apalpei-lhe os braços, como se fossem os de Sancha. Custa-me esta confissão, mas não posso suprimi-la; era jarretar11 a verdade. Não só os apalpei com essa idéia, mas ainda senti outra coisa: achei-os mais grossos e fortes que os meus, e tive-lhes inveja; acresce que sabiam nadar.
Quando saímos, tornei a falar com os olhos à dona da casa. A mão dela apertou muito a minha, e demorou-se mais que de costume.
A modéstia pedia então, como agora, que eu visse naquele gesto de Sancha uma sanção ao projeto do marido e um agradecimento. Assim devia ser, mas um fluido particular que me correu todo o corpo desviou de mim a conclusão que deixo escrita. Senti ainda os dedos de Sancha entre os meus, apertando uns aos outros. Foi um instante de vertigem e de pecado. Passou depressa no relógio do tempo; quando cheguei o relógio ao ouvido, trabalhavam só os minutos da virtude e da razão.
— Uma senhora deliciosíssima, concluiu José Dias um discurso que vinha fazendo.
— Deliciosíssima! repeti com algum ardor, que moderei logo, emendando-me: Realmente, uma bela noite!
— Como devem ser todas as daquela casa, continuou o agregado. Cá fora, não; cá fora o mar está zangado; escute.
Ouvia-se o mar forte, — como já se ouvia de casa, — a ressaca era grande, e, à distância, viam-se crescer as ondas. Capitu e prima Justina, que iam adiante, detiveram-se numa das voltas da praia, e fomos conversando os quatro; mas eu conversava mal. Não havia meio de esquecer inteiramente a mão de Sancha nem os olhos que trocamos. Agora achava-lhes isto, agora aquilo. Os instantes do diabo intercalavam-se nos minutos de Deus, e o relógio foi assim marcando alternativamente a minha perdição e a minha salvação. José Dias despediu-se de nós à porta. Prima Justina dormiu em nossa casa; iria embora, no dia seguinte, depois do almoço e da missa. Eu recolhi-me ao meu gabinete, onde me demorei mais que de costume.
O retrato de Escobar, que eu tinha ali, ao pé do de minha mãe, falou-me como se fosse a própria pessoa. Combati sinceramente os impulsos que trazia do Flamengo; rejeitei a figura da mulher do meu amigo, e chamei-me desleal. Demais, quem me afirmava que houvesse alguma intenção daquela espécie no gesto da despedida e nos anteriores? Tudo podia ligar-se ao interesse da nossa viagem. Sancha e Capitu eram tão amigas que seria um prazer a mais para elas irem juntas. Quando houvesse alguma intenção sexual, quem me provaria que não era mais que uma sensação fulgurante, destinada a morrer
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com a noite e o sono? Há remorsos que não nascem de outro pecado, nem têm maior duração. Agarrei-me a esta hipótese que se conciliava com a mão de Sancha, que eu sentia de memória dentro da minha mão, quente e demorada, apertada e apertando...
Sinceramente, eu achava-me mal entre um amigo e a atração. A timidez pode ser que fosse outra causa daquela crise; não é só o céu que dá as nossas virtudes, a timidez também, não contando o acaso, mas o acaso é um mero acidente; a melhor origem delas é o céu. Entretanto, como a timidez vem do céu, que nos dá a compleição, a virtude, filha dela, é, genealogicamente, o mesmo sangue celestial. Assim refletiria, se pudesse; mas a princípio vaguei à toa. Paixão não era nem inclinação. Capricho seria ou quê? Ao fim de vinte minutos era nada, inteiramente nada. O retrato de Escobar pareceu falar-me; vi-lhe a atitude franca e simples, sacudi a cabeça e fui deitar-me.

Agora é com você

1 Como Bentinho interpretou o olhar de Sancha no início da conversa?

2. O mar estava de ressaca, e Escobar nadava todas as manhãs. Quando Bentinho o adverte dos perigos, ele gaba-se dos seus pulmões e braços. Dom Casmurro apalpa-os e inveja-os: "achei-os mais grossos e fortes que os meus, e tive-lhes inveja; acresce que sabiam nadar". Como pode ser interpretada essa passagem?

3. Comente as diferentes conotações que a palavra "deliciosíssima" tem nas falas de Dose Dias e de Bentinho.

4. No momento das despedidas, Sancha aperta a mão de Bentinho com mais força que de hábito e o olha de maneira sugestiva. Quais as duas interpretações que isso pode suscitar?

ESAÚ E JACÓ
O título desse romance alude às personagens bíblicas Esaú e Dacó, filhos gêmeos de Isaac e Rebeca. Inimigos desde o ventre materno, — Esaú, que tinha nascido primeiro, vende seus direitos de primogênito a Jacó, em troca de um prato de lentilhas.
O narrador conta que escreveu esse romance baseando-se nos cadernos escritos pelo Conselheiro Aires, amigo da família dos protagonistas Pedro e Paulo.
Pedro e Paulo, os protagonistas, são gêmeos univitelinos, "tão iguais, que antes pareciam a sombra um do outro, se não era simplesmente a impressão do olho, que via dobrado". Como o título sugere, eles também são inimigos. A mãe deles, que tem o sugestivo nome de Natividade, engravidara, acidentalmente, com cerca de 30 anos e teve uma gestação difícil. Ambos debatiam-se em seu ventre como se lutassem já antes de nascer. Disputavam tudo: a mãe, olhares, brinquedos. Na adolescência, revelaram ter pendores políticos diferentes: um era republicano, outro monarquista. Disputaram também o amor da menina Flora, que faleceu ainda adolescente.
Crescidos, formaram-se: um tornou-se advogado, outro, médico. Elegeram-se deputados por partidos diferentes e passaram a brigar na câmara. A única trégua que se concederam foi por ocasião do falecimento da mãe, que os fez jurar no seu leito de morte que seriam amigos para sempre. Não tardou, porém, que o enfrentamento cotidiano os arremessasse noutras discórdias e assim eles terminam: inimigos para sempre.
Nesse romance parece que o autor quis ironizar a teoria determinista de Taine, concebendo personagens com a mesma,herança genética (gêmeos univitelinos), vivendo no mesmo meio e no mesmo momento histórico, mas com personalidades diferentes, contrariando o Determinismo então em voga.
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2 Herói de poema Ilíada, de Homero. Possuía um cavalo, Janto. Que lhe previu a morte no combate contra os troianos
3 Referência ao episódio bíblico em que a asna de Balaão é dotada de faia por Deus.
4 Patriarca hebreu e uma cãs grandes figuras da Bíblia. é considerado o antepassado dos israelitas a dos árabes.
5 A primeira mulher, segundo o mito contado pelo poeta grego Hesiode (séc. Vil! a.C.) no poema. Os trabalhos e os dias. Hesíodo conta que Zeus enviou Pandora a Epimetsu. Fascinado per sua beleza, ele a desposou, esquecendo a advertência de seu irmão Prometeu, que lhe dissera não aceitar nenhum presente de Zeus, Havia uma caixa que continha todos os mates, e Pandora, muito curiosa, destampou-a. Os males escaparam pelo mundo todo. Apenas a Esperança, que eslava no fundo, não escapou, porque Pandora recolocou a tampa. Segundo outra versão, essa caixa continha não os males, mas os bens, e Pandora a leria levado como presente a Epimeteu. Abrindo-a inadvertidamente, ela deixou escapar os bens, que voltaram para a morada dos deuses. Aos homens restou apenas a Esperança, para consolo de seus males.
6 Jó: Personagem bíblico, conhecido pelo livro do Antigo Testamento, que traz seu nome.
7 Cômodo (161-192): imperador romano célebre por sua crueldade.
8... Tertuliano 9155-220): umdos doutores da igreja.
9 ... Nicélia: antiga cidade da Ásia Menor onde, em 325, reslizou-se um concili ecumênico que condenou o arianismo e definiu o Credo ou símbolo de Nicéia.
10 Cadeirinha: pequena cadeira coberta sustentada por dois longos varais e conduzida por dois escravos, um à frente e outro atras. Era um meio de transporta comum no século XIX.
11 Jarretar: omitir, suprimir.

segunda-feira, 25 de junho de 2007

Memórias de irmã.

Fim do longo século, era o ano de 1928. Nem parecia que há 40 anos boa parte da vitória fora alcançada. Agora, numa época mais branda, quatro sombras do passado de reencontram.
Há meses anunciou-se uma reunião a fim de comemorar os 40 anos da abolição. O dia 13 de maio de 1928 prometia uma grande festa de muitas lembranças. Em meio aos vestidos, às taças e à música, quatro senhoras de idade são deixadas por seus filhos e netos numa mesa. Suas vistas já estavam encobertas pela catarata, suas colunas cansadas e suas mentes confusas viviam uma meia vida, presa entre as lembranças e a realidade. O silêncio reinava na mesa e só era quebrado pelo “larari” da música. Foi então que uma voz rouca, da mais mulata das senhoras, fala e recebe respostas: “Não há refeição sem feijão!”
- Não tem batuque sem tambor.
- Não há dança sem pés no chão.
- Não tem festa sem comemoração.
Mais silêncio.
Depois de um tempo, a senhora que cabelos que já foram castanhos e olhos cor de mel, sai de sua cisma e pensando em voz alta responde num sussurro típico da voz cansada: “Mas hoje é dia de festa! Por que é festa mesmo? Não me lembro, mas sei que é coisa boa. Tem alguma comemoração. Santa Mãe, o que era? Não consigo lembrar. Não importa! A festa está ruim mesmo. Me arrumo e saio de casa pra isso. Sou muito mais as festas que os negros davam lá no terrero. Papai não me deixava ir dançar com eles, porque pensava que eles não tinham alma, mas eles tinham sim. Eu sempre dava um jeito de fugir e era muito bom”.
A senhora mais branca de todas como se despertá-se de um cochilo declara: “Terrero! Eu me lembro disso. Está tudo tão confuso na minha cabeça, mas eu me lembro disso”.
A última senhora, que era uma mulata muito magra, ainda não havia participado muito da conversa, parecia dormir, mas num gesto cansado levanta a cabeça e fala: “Eu só me lembro de uma coisa nessa vida, aprendi quando jovem um verso de Castro Alves com uma irmã minha, uma irmã do coração. É assim:

‘Eu sou como a garça triste
Que mora a beira do rio.
As orvalhadas da noite me fazem tremer de frio.
Me fazem tremer de frio como os juncos da lagoa.
Feliz a araponga errante que é livre, que livre voa.
Que é livre, que livre voa para as bandas do seu ninho.”

A mulata calou a fala porque começou a chorar. As outras respiravam lentamente e buscavam nas mentes alguma lembrança ou algo que as fizessem entender tudo o que acontecia. Foi então que a senhora dos olhos de mel, que se chamava Melissa, teve um insite. “Não chore. Eu me lembrei porque estamos hoje aqui. Estamos comemorando a abolição. Estamos comemorando o fim das garças tristes e o vôo das arapongas. Agora me lembro. Me lembro da minha vida. Você quer ouvir minha história?”.
- Claro, claro. Adoro histórias. Minha irmã branca sempre contava para mim. Vamos, vamos. Agora fiquei curiosa.
- Então não derrame uma lágrima. Senão não conto.





Meu nome é Melissa e sou filha de um fazendeiro muito rico. Tenho uma irmã chamada Gabriela. Nós crescemos na fazenda, que era bem afastada da cidade. Por isso nunca tivemos muitas amigas e nossa escolaridade foi dada por nossa tia que morava conosco porque era uma solteirona.
Conheci, desde que me entendo por gente, duas escravas de dentro: Zefina e Joquima. Nós quatro vivíamos juntas. Meus pais detestavam essa convivência, mas no fim chegaram à conclusão de que não fazia mal, afinal não tínhamos outras crianças para brincar. Mas não sabia ele como essa amizade ia crescer. Papai vivia sempre ocupado, tinha muitas viagens de negócio e mamãe era fácil de enganar, era muito ingênua a coitadinha.
Toda noite que tinha festa dos negros, Joquima dava um jeito de nos levar escondida. Nas primeiras vezes os escravos estranharam, cochicharam e acabou chegando aos ouvidos de papai que deu uma coça na Jô e na Zefa. Ele nos proibiu de vê-la e elas ficaram duas semanas na senzala. Mas conseguimos fugir e encontrá-las. Estavam horríveis, com as costas marcadas e mal conseguiam falar. Cresceu em meu peito uma revolta tão grande. Uma mistura de ódio com coração magoado. Eu só deveria ter dez anos e fiz meu primeiro ato abolicionista. Fui até em casa peguei o chicote de papai e mandei Gabi me amarrar no tronco e bater. Ela começou a chorar. Falou que nuca faria isso. Então peguei o chicote, rasguei a parte de trás do meu vestido e comecei e me bater. Quando o feitor do meu pai viu, eu já estava cheia de sangue. Ai, ai... isso foi comentado por toda a fazenda e chegou até na cidade. Foi a primeira grande vergonha do meu pai.
Crescemos, as quatro, sempre tentando livrar os escravos dos castigos. A Zefa e a Jô foram ganhando regalias. Tivemos a mesma educação praticamente. A tia topou dar aulas para nós quatro, sem meu pai saber, é claro. Quando ficamos adolescentes conhecemos um senhor sócio do meu pai que sempre ia lá em casa. Certo dia, ele descobriu a nossa incompreensão frente às idéias escravocratas porque entramos agarradas para dentro de casa devido a um soco que dei na cara de um capataz que tentou abusar da Jô. Então, em segredo, ele nos deu um livro de Castro Alves. Passou pelas quatro e ficamos apaixonadas. A partir desse dia esse senhor sempre nos trazia livros abolicionistas em segredo. Aprendemos mais sobre a causa e suas idéias.
Como já éramos moças começamos a freqüentar mais a cidade com papai e íamos até a algumas festas. Às vezes, depois de muita briga, o convencíamos a deixar Zefa e Jô virem como nossas damas de companhia. Mas as moças e rapazes da cidade eram muito diferentes. A maioria era esnobe, mesquinha e, o pior: preconceituosa. Achavam-se muito superiores e muitas vezes faziam piadas com nossas amigas. Mal sabiam eles que elas já tinham lido muito mais do que todos juntos e que eram mais prendadas do que qualquer uma das garotas. Zefina, que sempre foi mais delicada, sabia até tocar piano, porque eu ensinava as escondidas e ela tinha muito jeito.
As coisas iam de mal a pior na fazenda. Foi contratado um novo feitor porque o outro foi morto pelos escravos numa rebelião. Confesso que fiquei bem chocada na hora, mas não podia deixar de compreendê-los. Acontece que o novo feitor era o verdadeiro cão. Não agüentávamos mais toda aquela briga. Papai chegou a ponto de nos agredir, pensando que a Gabi e eu tinhamos os estimulado.
Nossa tia casou com o moço que nos dava livros abolicionistas. Foi contra a vontade de meu pai e ela saiu praticamente fugida. Logo em seguida minha mãe adoeceu e em menos de dois meses morreu. Já éramos jovens, eu deveria ter uns 18 anos. Não havíamos casado porque nossa fama de garotas pervertidas abolicionistas havia se espalhado. Agora com a morte da mamãe ficamos desprotegidas naquela casa e papai ainda falou que nos arrumaria um casamento em breve. Quando negavamos, ele nos batia e ameacava vender Zefina e Joquima.. Havia chegado a hora. Nós quatro começamos a arrumar uma maneira de fugir dali. Sempre fomos tão boas nisso, não é agora que não conseguiríamos. Arrumamos as malas, deixamos escondidas, juntamos todas as jóias da mamãe - sabíamos a senha do cofre, dinheiro não seria o problema, agora só faltava a oportunidade. E ela veio. Inesperadamente papai anunciou que meu marido chegaria daqui a uma semana para me conhecer.
Ele era de São Paulo, logo pensei que era essa a explicação desse casório. Ele não sabia como eu era. Ele não sabia que eu fazia parte do quarteto das pervertidas, das garotas sem freio que se metiam a discutir política. Mas papai fez questão de tirar minhas esperanças, falou que o rapaz já sabia tudo sobre mim, que ele fez questão de contar tudinho e que mesmo assim o pedido foi aceito. “Esse moço é realmente escravocrata, depois do casamento ele te deixa nos eixos” dizia ele.
Eu só não sabia que Deus escreve certo por linhas tortas. Pensamos em tentar fugir antes da chegada do tal noivo. Mas outro problema surgiu, Gabi estava apaixonada. Pelo Zé, um escravo. Ele cresceu com a gente, mas nunca desconfiamos de nada. Ela decidiu que não iria mais. Começamos a desanimar. Como deixaríamos todo a senzala para trás? Quem seria a única esperança de proteção se fossemos embora? Os dias se passaram e acabou chegando o tal noivo. Mais foi tudo diferente do que eu imaginava. Papai me deixou na varanda com meu futuro marido enquanto ia conversar com o pai do noivo. Sentei afastada dele e o tratei o mais ríspida possível. Ele apenas ria um sorriso enviesado.
- Meu nome é Tiago. O seu é Melissa não é? – mas eu não respondia a nada do que ele falava, foi então que ele se virou, olho bem dentro dos meus olhos e disse:

“Sobre o barco dos amores,
Da vida boiando à flor,
Douram teus olhos a fronte.
Do Gondoleiro do amor.”

- Castro Alves? Você o conhece? – perguntei perplexa.
- Mais do que você pensa...
Desse encontro ganhamos um novo aliado e eu ganhei minha paixão. Com ajuda dos colegas abolicionistas do Tiago, planejamos a fuga. Mas dessa vez era a fuga de todos, não só de nós quatro.
Foi no dia de nosso casamento. Todos estavam na cidade e o feitor de meu pai foi para acompanhá-lo, papai se sentia muito desprotegido depois do assassinato do outro feitor. Como num sonho, deu tudo certo. Todos pegaram a estrada da montanha. Mas eu e Tiago fomos apenas depois da festa do casamento e nos encontramos do outro lado do morro. Acho que papai só se deu conta que havíamos fugido quando chegou no outro dia a fazenda, pois trancamos todos os capatazes na senzala. Fomos para o quilombo Anhanná. Tiago e seus amigos já conheciam o lugar e as pessoas. Sem mais planos ficamos morando por lá. Foi uma vida, sem luxos, mas foram os meses mais felizes da minha vida.
Chegamos no quilombo mais ou menos em janeiro de 1888 e a abolição saiu dia 13 de maio. Posso esquecer de tudo nessa vida, mas desse número nunca vou esquecer. Foi a festa mais linda que já teve em Anhanná. Depois disso Tiago e eu fomos morar no Rio. Gabriela, Jô e Zefina ficaram.
Chegando lá tive a surpresa de saber que nossos nomes tinham aparecido em muitos jornais abolicionistas. “As quatro abolicionistas”, “ Mulheres defendem a causa” e até em jornais comuns “Eu não queria ter uma filha dessas”, “Mulheres fora do controle”, “É o fim dos tempos”.Tiago assumiu os negócio do pai, foi um excelente administrador, contratou italianos e alguns ex-escravos. Todos eram bem remunerados e tudo foi prosperando. Sempre mandávamos dinheiro para o quilombo e fiquei sabendo que Gabriela se mudou para o nordeste e estava prosperando. Ouvi o boato de que Zefa e Jô saíram do quilombo. Zefa casou com um músico e viviam uma vida simples e Jô casou com o dono de um jornal abolicionista e até estava escrevendo artigos. Ficamos tão distantes. Nunca mais nos vimos. Fomos perdendo o contato. Mas nunca me esqueci de quatro pulseirinhas iguais, feitas de grãos e sementes que Zefina fez para nós no quilombo. Prometemos nunca tirar e nunca esquecer de nossa amizade, de nossas conquistas, de nossa fraternidade. Juramos nunca esquecer que somos arapongas e que a nossa liberdade é feita por nós mesmas.




As senhoras aos prantos foram levantando as mãos e viram quatro pulseirinhas. Como não se reconheceram? Era fácil entender e difícil compreender. Estavam caducando, mal enxergavam, mas tem coisas que a gente não se esquece jamais. Tem marcas que cicatrizam, mas nunca desaparecem. Assim foi a escravidão em nossa história. Uma chibatada.
As velhinhas criaram uma força sobrenatural. Levantaram e se abraçaram entre lágrimas. Zefa gritou bem alto: “Essa festa ta chata por demais, minha gente. Vamos levantar poeira no terrero!”. E as quatro começaram a cantar uma canção africana bem agitada e a dançar. A música parou e todos olhavam para elas. Perplexos, ninguém entendia que a maior sabedoria está a um passo da caduquice.




Professora, as senhoras estão no séc. XX, mas o enredo principal é do séc. XIX, ok? Bj

segunda-feira, 21 de maio de 2007

Romance Histórico

Não sei se eu tinha deixado bem claro que esse blog é um trabalho da escola, mas foi preciso explicar isso antes dessa postagem porque ia ficar meio estranho se eu começasse a apresentar uma personagem sem explicar porque, para que e da onde ela veio. E nesse novo passo do blog não tem como incluir um sax! L
Estamos estudando romance histórico, na disciplina de Históra, para nos prepararmos mais para a Tertulha interagindo com o nosso conteúdo (O séc. XIX). Vou apresentar uma das personagens que protagonizarão o romance do meu grupo (Érica, Anna S. e Dias).



“Joquima era uma escrava mestiça, de pele bronzeada, cabelos sempre curtos e olhos redondos, negros e profundos como duas jabuticabas. Era magra, a escrava, o que ficava claro ao vermos seus ossos a amostra e seu rosto fino”.
A mulata não tinha pai, nem sobrenome. Mas, possuía uma mãe, escrava da casa grande, e por isso foi criada recebendo os “luxos” dados às escravas de dentro: o direito de tomar banho, para o cheiro não incomodar o patrão, e a oportunidade de vira e mexe afanar um pouco de comida da cozinha.
Devido ao meio em que foi criada, a magrela cresceu espevitada, nervosa e revoltada com a situação. Era corajosa, respondona, não baixava a cabeça e nunca dava o braço a torcer. Parecia não ter medo de nada e era daquelas que colocavam a mão na massa. Sua mãe se decepcionava um pouco com o jeito moleque da filha, sempre se metendo em briga, saindo no braço e, às vezes, respondendo com o queijo pontudo, o nariz empinado e os braços na cintura às ordens injustas do patrão.
Joquima já teria morrido no tronco se não tivesse a sorte de ser amiga da Sinhá Melinda e da Sinhá Cecília, filhas do patrão. As meninas foram criadas juntas com Joquima e Zefina, outra escrava de dentro. Por falta de crianças brancas na fazenda, que era afastada da cidade, os pais permitiram essa amizade, e as sinhazinhas cresceram sem preconceitos e estabeleceram uma forte ligação com suas amigas negras.As meninas chamavam Joquima de Jô e já conheciam bem o jeitinho explosivo da amiga, por isso estavam sempre a livrando de poucas e boas.”


Essa é a Jô, espero que a apresentação tenha sido bem feita. Aguardem o início dessa história que promete muito!

terça-feira, 3 de abril de 2007

A Família que eu escolhi





Aproveitando o último tópico sobre família, aproveito para fazer uma breve homenagem a umas amigas maravilhosas que não são sangue do meu sangue, mas são pedacinhos do meu coração. Amigas, agora podem chorar de emoção. Depois de uma declaração de amor dessas, espero, ao menos, uma retribuição. heheheheh.

Minha Família

Hi!
Cumprindo mais um passo do trab...
Coloquei minha mãezinha pra dar uma comentada aqui, quem sabe depois meu pai e a mana aparecem também.Aproveito pra apresentar minha família. Eu moro com minha mãe, meu pai, minha irmã e minha cachorrinha que é quase uma irmã. Na real, minha família é enorme, uns trocentos primos de verdade, mais um bolo de primo de consideração, tios as pencas e espalhados por todo o Brasil. É uma família bem legal porque apesar de morar todo mundo longe uns dos outros, sempre a maioria se reune no fim do ano, durante as férias. Amo todos eles de coração.

A Primeira Cachora Saxofonista do Mundo!!

Popi, Biel (primo de consideração, ou melhor, do coração), Lalá (mana linda) e Mami.


segunda-feira, 2 de abril de 2007

Os Gênios de Ontem e os Gênios de Hoje

Saxofonistas existem aos montes, mas os gênios musicais são poucos.
Fico perdida em meus pensamentos ao imaginar que um, ou mais, dos meus colegas, que convivem comigo na banda, na sala de aula, ou dando umas voltas por ai, podem um dia se tornarem um desses gênios. E penso que é isso o que os amigos de Adolph Sax, Kenny G. e Ivan M. devem ter pensado.Esses três são os melhores saxofonistas que o mundo já teve o prazer de ter. Vamos aos porquês.

Adolph Sax é meu saxofonista numero 1. Isso é meio óbvio! Ele é o culpado de tudo. Sem contar que a história de vida dele é linda, apesar de triste. Ele não é apenas um exemplo musical, mas é um exemplo de vida!










Em relação a Qualidade musical o Ivan Mayer supera qualquer um, ele pode não ser tão conhecido como o Kenny G., mas sua técnica, a vastidão de instrumentos que ele sabe manejar, ritmo e criatividade na criação de música e acordes são dez!!! Ele realmete é fera. Aproveito para abrir uns( ) e divulgar o site dele http://www.explicasax.com.br/html/main.html, vale a pena conferir!




Por fim, o Kenny G. Acredito que ele seja o mais popular saxofonista. É falar em saxofone que logo vem na mente "Kenny G." Suas músicas são bem legais, e suas escalinhas um sucesso. Prefiro quando ele toca sax alto, mas pelo jeito ele gosta mesmo do soprano.



Bem gente é isso aí... sabe o que eu percebi, todos os três tem os cabelos grandes, e os dois últimos possuem cabelos cacheados. Poxa, que coincidência! Espero que esses cabelos sejam na verdade um mistério que só os melhores saxofonistas conhecem, afinal meu cabelo é cacheado, quem sabe assim eu melhoro! Nunca mais faço escova ou chapinha.
http://www.saxgourmet.com/adolph-sax.html

Instrumentos do séc. XIX

Vocês sabiam que vários outros instrumentos são do séc. XIX. Pois é, não foi só o sax que nasceu nesse século.
Ainda vai uma lista bem interessante:

O Bandolin - Tá, você não sabe o que é um bandolin, certo?! Realmente não é um intrumento muito atual. Apesar desse instrumento ter sido criado no séc. XIX e, como a professora de história fala: "Somos seres do séc XIX", mas a verdade é que ele foi bem esquecido. Temos a idéia que o bandolin só se enquadra naqueles filmes antigos, mas ele não é velho não. Afinal, é "quase" do nosso século :)




O Bombardino - Esse foi bem interessante de pesquisar. Quando ví nem acreditei. O Bombardino foi criado por Adolph Sax em 1848. Até agora não entento como alguém tão genial foi acabar falido?! Realmente esse mundo é muito injusto, mas...



Ah! Ele também é conhecido como Eufónio. Sinceramente eu nunca tinha uvido esse segundo nome e achei bem cômico.


A Flauta Transaversal - Também surgiu no séc. XIX originada da flauta doce.
Vou parar nesses três, mas sei que foram criados muitos outros, principalmente os de metais. Os de corda são mais antigos. Já os de metal exigiam mais técnicas, acho até que a industrialização e a mecanização, que surgiu com ela, deu uma força no aprimoramento e criação desses instrumentos, mas isso é só uma suposição minha.
Eu peguei essas informações em alguns sites, mas os mais importantes são:

Prometo continuar a lista mais tarde.
bjin


Era uma vez o sax...

O sax foi criado no séc XIX. Justamente o séc. que estou estudando lá na escola (CMPA). Foi um cara, que eu queria ter conhecido muito, que o criou, seu nome era Antoine Joseph Sax, mais conhecido como Adolph Sax, ele era da Bégica. Seu pai se chamava Charles Joseph Sax e era uma carpinteiro que construiu uma fábrica para instrumentos de sopro de madeira e instrumetos de metal. Como "filho de peixe, peixinho é", Adolph também era um gênio criativo e cheio de técnica, como seu pai. Mas Adolph não se contentou com tão pouco e começou sua educação musical na Royal School of Singing (Bruxelas), um lugar muito longe para mim, tipo seria um sonho ter estudado com essa classe. Lá ele aprendeu flauta e clarinete. Foi por volta de 1840, que baseado numa mistura de clarinete, tuba e fagote, nasceu o primeiro sax, um sax-baixo, que posteriormente veio a originar toda a família, principalmente o Sax-alto, meu bebê. O sax só foi exibido em 1844 na "Paris Industrial Exibicion". Isso é só uma amostrinha da história do melhor instrumento do mundo. Esses dados foram tirados de vários lugares, porque eu li muito antes de começar a tocar sax, mas são muito verídicos, podem crer. Tenho mais muitas curiosidades e dicas, até algumas partituras. Vou colocando aos poucos. FaLô.